(hoje)
mais uma cama é desabitada
e só de um lado talvez do outro
fica alguém pra rolar pro buraco
que deixa o corpo num colchão machado
ainda terrivelmente alí
(hoje)
mais um barulho de metal clica na rua
no último encontro entre calçada e porta
de onde sai um homem de barriga inchada
e talvez grisalho, mas ainda
desesperadamente vivo
e suado, ele desenrola a porta
segura com as mãos calejadas o frio do aço
preenche o espaço onde estiveram outras
que não mais serão apertadas
acordos barganhas piadas
(amanhã)
talvez ele sente em uma sala monótona
de luzes brancas abarrotadas
de um peso morto talvez
ele use as mãos as mesmas
que os filhos abençoaram
essa manhã ele apertará outra mão
não gentil, nem dócil, mas amassada
de cumprimentos tristes sem
sorriso - ele dá sem que ninguém veja
carregando algumas notas no bolso
nada mais
(hoje)
mais uma briga sobre sair
ou ficar junto, ainda
em casa os mesmos pratos
os mesmos filmes risos e
o colchão ainda
tumultuado
(hoje)
numa imonótona sala
o passo corrido é branco
na parede nos rostos no piso
o som dos pássaros em crescente
leva alguém na cúspide ao colapso
até
os minutos em silêncio
morrem