a noite eu saio de capa azul
hora em que todos esses garotos feridos colocam sorrisos tortos pra se encostarem nas paredes das ruas, onde corre o cheiro da chuva pela latrina, entre pinos e garrafas secas. eles, que tão docemente sabem se insinuar nos sonhos dos outros, esgueiram-se entre becos e vãos das casas, caçando brechas onde suplicar uma mecha de cabelo molhado ou o resto de um beijo não terminado.
e a noite eu me enrolo na capa abrigando-me dos cortes que o vento bota no rosto, que esbarram nos cortes que outro, quando garoto, deixou num impulso de vingança contra o mundo e contra mim, que não sou O mas Um e o lembrava o mundo, os empregos, as escolas, as salas de visitas e portarias.
a rua, então, fede a sábado
terrível
o tempo cristaliza-se na janela, embaçada, me olho num reflexo-lapso ligeiramente desviada nos contornos da roupa
um pouco pra direita, tropeço
com cacos, o cuidado, porque ainda bêbada talvez, mas principalmente fraca. à beira da doença, pisando em poças, me abismo, aguardo que elas me engulam e, com sorte, cuspam-me depois em ossos pra rua de encontro a você de novo. mas, diante das bocas d’agua na calçada, sou eu a que se abre para devorar-me. esqueço